Ao pensar em gastronomia francesa, é comum que nomes como Escoffier ou Bocuse venham à mente. No entanto, muito antes desses mestres se tornarem ícones internacionais, um grupo de mulheres já estava redefinindo os rumos da culinária na cidade de Lyon.
Conhecidas como Mères de Lyon — termo que significa literalmente “mães”, mas que se tornou um título honorífico — essas cozinheiras, muitas sem formação formal, transformaram receitas domésticas em alta gastronomia e deram identidade à cozinha lionesa.
Do anonimato à alta gastronomia francesa
De origens modestas, muitas Mères haviam servido à aristocracia ou à burguesia local como cozinheiras particulares. Com a crise econômica e as transformações sociais do século XIX, deixaram as casas senhoriais e abriram seus próprios estabelecimentos.
Assim, nasciam os bouchons lyonnais, restaurantes familiares onde a comida era simples, mas feita com uma técnica impecável e ingredientes locais de qualidade. Não demorou para que os aromas saídos dessas cozinhas chamassem a atenção de críticos e turistas.
Tradicionais bouchons de Lyon
A alma de Lyon servida à mesa
Considerada hoje a capital gastronômica da França, Lyon deve parte essencial de sua fama a essas mulheres. As Mères cozinhavam pratos tradicionais em receitas que misturavam rusticidade e sofisticação — além disso, apresentavam um toque materno inconfundível.
Lyon, cidade no sudeste francês conhecida pela alta gastronomia
Entre as pioneiras, Mère Guy abriu caminho no século XVIII, famosa por seu ensopado de enguia nas margens do Ródano. Da mesma forma, Mère Brigousse encantou os paladares com seus quenelles (bolinhos recheados) em Charpennes.
Mas foi no século XX, entre as guerras, que esse fenômeno se consolidou. Com o avanço do turismo e a valorização da culinária regional, os restaurantes das Mères passaram a ser frequentados por industriais, jornalistas e até políticos.
A crítica gastronômica da época não poupava elogios. Marie Bourgeois e Mère Brazier conquistaram o estrelato: esta última, aliás, foi a primeira chef da história a receber três estrelas Michelin por dois restaurantes simultaneamente — e treinou ninguém menos que Paul Bocuse.
Eugénie Brazier (Mère Brazier), com os chefs Paul Blanc, Paul Bocuse, Jean Vettard, Jean Vignard, Christian Bourillot, Roger Roucou, Paul Lacombe, Guy Thivard e Marius Vettard, em 1964
O legado silencioso das grandes cozinheiras
Apesar de seu impacto inegável na gastronomia francesa, as Mères raramente são lembradas com o mesmo destaque de seus discípulos homens. Muitas foram agrupadas sob uma única identidade, ofuscando suas personalidades e trajetórias singulares.
Chefs como Madeleine Kamman questionaram abertamente essa invisibilidade histórica, afirmando que muito do que é hoje considerado haute cuisine foi herdado diretamente dessas mulheres.
Ainda assim, a semente plantada por elas floresceu. Em Lyon, herdeiras dessa tradição continuam a ocupar espaços importantes. A chef Sonia Ezgulian, por exemplo, é conhecida por sua cozinha autoral que respeita os produtos e os gestos das Mères.
Lasanha de coelho, por Sonia Ezgulian
Enquanto muitos ainda associam a cozinha francesa a nomes masculinos, é fundamental lembrar que foram mulheres — e mães — que alimentaram, com afeto e excelência, os pilares desse legado.
Afinal, que outro ofício reúne tanta técnica, sensibilidade e memória quanto o de transformar ingredientes simples em cultura viva?
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