A vida é feita de fases, e mudanças fazem parte disso. Nem sempre são fáceis, mas já que são inevitáveis, por que não levar com a gente o melhor de cada um desses ciclos? No final, a conta é simples: organizar os pontos positivos para que eles se sobressaiam aos negativos. Associar pessoas e lugares também é uma forma de simbolizar a importância que essas experiências tiveram para nós.
Para Marina Abramovic e Ulay, o fim do seu relacionamento de 12 anos foi a inspiração para uma performance sem precedentes. Artistas performáticos que são, decidiram compartilhar com o mundo a longa caminhada que fizeram, literalmente, para dizerem adeus. Como em um rito de passagem, em 1988, cada um partiu de uma extremidade da Grande Muralha, percorrendo os cenários mais diversos e poéticos da China. Intitulado The Lovers (The Great Wall: Lovers at the Brink), o documentário retrata essa viagem de 90 dias com mais de 2.500 km percorridos por cada um (assistam na íntegra aqui).
Os artistas
Nascida em 1946 na cidade de Belgrado, Iugoslávia (hoje, Sérvia), Marina Abramovic é formada e pós-graduada em Belas Artes. Desde os anos 70, a artista é conhecida por testar os limites físicos e psicológicos do seu corpo em performances chocantes. Ulay é pseudônimo do alemão Frank Uwe Laysiepen, que também na década de 70 recebeu reconhecimento por seus trabalhos com a câmera Polaroid, uma forma de expressar seu entendimento do mundo, usando o corpo como ponto de partida para interrogar o significado da condição humana. A relação de Ulay e Marina resultou em muitos trabalhos em conjunto entre 1976 e 1988.
A caminhada pela Grande Muralha da China
A arte de superar e olhar para o novo é o que Marina e Ulay propõem com essa última performance juntos. Ao transformarem a história real do fim do relacionamento em um documentário, encorajam outras pessoas a seguirem em frente também. Enfrentar o desconhecido é visto com determinação e começa com o próprio cenário dessa história: a China, um lugar totalmente diferente para ambos, mas incrivelmente inspirador.
Localizada na fronteira norte do Império Chinês, a Grande Muralha da China também é símbolo de grandeza e proteção. Com uma construção que levou mais de dois mil anos, envolveu diferentes dinastias e milhões de trabalhadores, essa série de fortificações e torres foi usada pelos antigos soldados para avistarem inimigos. Tão magnífica quanto um dragão, as semelhanças entre a muralha e o animal podem ser vistas durante toda sua extensão.
E foi no ano do dragão, em 1988, que essa história aconteceu. Marina começou sua caminhada solitária e cheia de questionamentos, partindo da chamada “cabeça do dragão”, às margens do Mar Amarelo. Ela quer organizar seus pensamentos e entender o porquê de estar andando nesse país cujo passado e presente ela não conhece. Com apenas a muralha à sua frente, se concentra em sentir a energia da construção. Para Marina, a sensação de estar longe de tudo foi um pouco assustadora, mas ao mesmo tempo de uma alegria indescritível.
Marina Abramovic caminhando pela Grande Muralha
No outro extremo, Ulay faz sua metade do trajeto, que começa no Deserto de Gobi ou “cauda do dragão”. Sua percepção foi diferente, a curiosidade era sua maior aliada. As vastas paisagens da China trouxeram a oportunidade de conhecer outras maneiras de viver, nos campos e desertos viu pessoas que trabalhavam na terra com técnicas e instrumentos antigos. Mesmo em um dos pontos mais remotos do país, ele se sentia observado. Os olhares ao estrangeiro eram constantes, mas Ulay continuou seus passos e manteve o ritmo, afinal, aquela caminhada era sua.
Durante três meses, Marina e Ulay foram tomados por momentos de intensa reflexão. Quando finalmente se encontraram no meio do caminho, ele a recebeu de braços abertos e um longo abraço marcou essa jornada de 12 anos que tiveram de alegrias, cumplicidade e trabalhos. Percorrer a extensa muralha foi a forma que encontraram para fechar esse capítulo de suas vidas e seguir em frente. Cada um à sua maneira, entenderem as perdas, se reerguerem e reinventarem em paz.
Entre as subidas e descidas desse trajeto árduo, a muralha é como a nossa vida: cheia de altos e baixos. A performance do casal representa força, coragem e respeito ao encontro com o desconhecido e um novo destino. É interessante como situações de grandes mudanças têm esse poder de nos fazer seguir ainda mais firmes, são nesses momentos que também paramos para enxergar a beleza poética da vida.
+ O reencontro inesperado de Marina e Ulay em performance da artista em 2010
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