A Viagem, poema de Charles Baudelaire, o francês símbolo da boemia, é talvez um de seus textos mais dramáticos sobre a necessidade do homem de escapar da realidade cotidiana, da monotonia das coisas diárias e também de seus problemas universais. Melancólico e filosófico, nesse poema de 8 partes, o poeta nos convida a uma reflexão subjetiva sobre a vida e desperta no leitor a capacidade de absorver de forma sensível suas palavras de genialidade ímpar.
Publicado originalmente em 1859, o poema escapista foi escrito no porto de Honfleur, na Normandia, durante uma viagem estratégica. Na ocasião, Baudelaire se afastou de casa para se recuperar da saúde e de uma crise financeira familiar. Le Voyage, título em francês, é também o poema que encerra a sua mais famosa coletânea, o livro Flores do Mal de 1861, a última edição revista pelo autor.
A Viagem, para quem ama poesia e viagens, é um portal que abre os sentidos e o imaginário, que evoca as possibilidades infinitas que o mundo oferece aos que não temem as distâncias, pelo contrário, aos que se lançam em destinos misteriosos em busca de experiências edificantes e novas memórias. No final, apesar do tom denso típico do autor, parece que tudo o que ele quer, à sua maneira, é fugir em direção à felicidade. Mas, para enxergar isso, é preciso um olhar livre, como o dos viajantes, e embarcar no poema sem apego literal para se deliciar com cada verso. E lembrar da imensidão do mar e da beleza de outras paisagens.
Como Baudelaire escreve em Spleen de Paris, outra coleção de poemas icônicos: “Para não serem escravos martirizados do Tempo, embriaguem-se! Embriaguem-se incessantemente! De vinho, de poesia ou de virtude, à sua escolha”. E, claro, podemos acrescentar mais uma ótima opção: embriaguem-se de viagens! Afinal, segundo uma pesquisa recente, que já mencionamos no texto Por que viajar traz tanta felicidade?, viajar está no topo da lista do que traz mais felicidade e emoção. Alguém duvida?
Agora, para inspirar e alimentar o espírito do leitor viajante, destacamos algumas passagens do poema A Viagem com tradução de Alexandre Barbosa de Souza:
“Para a criança, que adora mapas e selos,
O mundo é do tamanho de seu apetite.
Como é vasto à luz das lâmpadas!
Como aos olhos da lembrança é pequenino!”
“Mas verdadeiros viajantes são só os que partem
Por partir, corações leves, como balões,
Só com a fatalidade que jamais descartam,
E, sem saber por que, dizendo sempre: Vamos?”
“Espantosos viajantes! Que nobres histórias
Lemos em seus olhos profundos como os mares!
Mostrem-nos as caixas de suas ricas memórias,
Joias magníficas de astros e éteres.”
“A glória do sol sobre o mar violeta,
A glória das cidades ao sol que se deita,
Iluminam em nossos corações um ardor inquieto
De afundar num céu de reflexo atraente.”
“Amargo saber, aquele que se tira da viagem!
O mundo, monótono e pequeno, hoje,
Ontem, amanhã, sempre, nos faz ver nossa imagem:
Um oásis de horror num deserto de tédio!”
Foto: Thought Catalog, no Unsplash